segunda-feira, 28 de março de 2011

Banho de chuva


Foi de súbito. O céu de repente enegrecido, as nuvens tapando o sol em trevas. E todos puderam ter a mesma premonição. Em poucos minutos uma grossa chuva cairia do céu. Os carros correrão, temendo um maior engarrafamento. Muitas pessoas deixaram o guarda-chuva em casa por conta do impiedoso sol que fazia. Era um calor descomunal, a vida estava escaldante antes do meio dia. Encaminhei-me para a parada de ônibus e logo pude ver uma multidão de estudantes que voltava de uma aula matutina. Os adolescentes todos muito alvoroçados, conversavam alto, as garotas gritavam alucinadas. Quando uma garoa começou, era apenas o início. Todos tentaram encontrar um pequeno espaço debaixo de um telheiro da loja ao lado da parada, mas como a quantidade de alunos era muito grande não coube todo mundo. Eu, acreditando que sairia dali antes do grande temporal, não me importei em ficar com apenas um lado de meu corpo debaixo do alpendre. O vento soprou frio e agressivo, e os pingos engrossaram consideravelmente. E fez-se o tumulto. A grande chuva molhava a maior parte de gente, o vento trazia os pingos para debaixo do telheiro causando risos e gritos. Desmanchando maquiagem, encolhendo os cabelos, molhando os livros. Um garoto alto mostrou pura tranqüilidade, molhando-se todo e servindo de barreira para mim e uma garota muito baixa, que se escondia no meio das pessoas aglomeradas. Tinha uma garota de cabelos amarrados e sotaque diferente, muito da eufórica. Ria alto e esbravejava felicidade, infantilizada com a situação. Comentei algo com ela, ela me respondeu consentindo com a cabeça e esbugalhando os olhos num êxtase afobado. Nada do coletivo chegar. Sem mais nem menos, uma biqueira começou a derramar água, que trazida por um vento violento molhava todo o povo. E chegando o coletivo todos corriam corajosos, encolhidos num abraço aos livros. E num momento era possível perceber alegria naquela gente, e em mim também. Passou um velho aos pequenos pulos, com uma agenda na mão, sorrindo como uma criança, se divertindo com o banho. E todos riam alto quando a biqueira escorria em nossa direção, eram dados gritos, mas não era pavor o que sentíamos, era euforia contida. E me veio a lembrança dos meus banhos de chuva, que eram freqüentes no inverno, banhos no início do dia, a água gelada torturava, mas valia a pena. Um homem surgiu trajado de terno e gravata, calçando seu sapato social. Correu desengonçado para atravessar a rua chamando toda a atenção dos que estavam ali. Foi um riso só, um coro sincronizado de risos altos, era percebível um deboche saudável. O homem não se importou. A chuva parecia infinita, mas aos poucos cada qual foi pegando o seu rumo, aos poucos o céu foi clareando e um indício de sol aparecia. Tomei o ônibus junto com várias pessoas, que entravam molhadas e falantes. A menina baixa trazia o rosto machado, o lápis preto que delineava seu rosto escorria nas bochechas dando-lhe um aspecto macabro. Uma mulher muito interessada em nós comentou: Eita que vocês tomaram foi um banho, e riu simpática. Cheguei em casa, a chuva ainda não parou, houve uma pausa, mas logo os pingos voltaram  cair 

quarta-feira, 23 de março de 2011

Pessoas na Praça

       Éramos pessoas na praça, de noite escutando rock e conversando algo. Éramos pessoas na praça bebendo cana, e pensando em amores mal correspondidos. Éramos na praça apaixonados trocando elogios e caricias explicitas. Éramos na praça fumando e sorrindo, escutando música passada. Éramos desiludidos com copos nas mãos, sorrindo para o palco. Éramos sambistas se encontrado e comentando o samba que passou na televisão. Éramos uma briga sem razão, um tapa, um aperto de mão, um acerto de contas. Éramos uma tensão. Quando na praça se acabou o show e trocamos de lugar. Saímos assustados com a falta de música, fomos cantar as nossas próprias melodias no bar sem som. Fomos ao nosso show. Lá nós éramos pessoas se preparando para ir embora, bebendo rápido, consultando os relógios, éramos a hora de partir. Quando de longe veio o ônibus e nos levou para um sonho. 

Biblioteca


Fiz um cadastro em outra biblioteca pública aqui da cidade. Ainda leio, não como antes, mas leio. Decidi, por conselho de um amigo, conhecer essa outra biblioteca, que fica até mais próxima daqui de casa. Ela se localiza no Benfica. O Benfica é onde eu deveria morar. Lá, nesse bairro dos estudantes, lá se dá os encontros das mais variadas tribos urbanas. E é pra lá que sempre vou esquecer os problemas e escutar o velho samba. O que mais me agrada nesse bairro e a diversidade. Lá tem gente de todo jeito e toda idade. Pois bem, fui fazer meu cadastro lá com o intuito de voltar pra casa com um novo livro. Acontece que um dos documentos que levei não era válido por motivo que desconheço completamente. Existia certo sadismo na moça que faz cadastros, percebi um indicio de felicidade, quando constatou que minha documentação não estava de toda completa. Fiquei desapontado, eu só queria um novo livro e não me deram. Voltei no dia seguinte e esperei por um bom tempo para que o cadastro ficasse pronto. A biblioteca é mais rústica que a outra freqüentada por mim, a tecnologia está ausente no local. Mas não posso ser tão cruel a ponto de só falar de seus defeitos, afinal tudo tem seu lado bom. Seus livros são magníficos e na minha técnica de caçar livros, logo descobri uma prateleira interessantíssima que me cativou. Voltei pra casa com meu livro novo e minhas novas impressões. A moça que me atendeu, outra, mais séria, impaciente, porém educada, tinha a voz grossa. Pergunto-me muito o porquê da falta de simpatia nos olhares dessa gente, o porquê dessa prepotência sem motivo. Enfim, fiz minha parte, concluí meu desejo, distribui meus sorrisos, e não conclui a leitura do livro. No começo me agradei até que me veio a crise, abandonei. Amanhã é dia de Benfica, e de cerveja. 

sábado, 12 de março de 2011

Esperando o Carnaval

Desejo como uma criança entrar no meio da bagunça dos embriagados do carnaval. Quero pular carnaval. Não sei se suportarei a melancolia e o silêncio dessa casa quando a data chegar. Não quero ficar escutando as machinhas nessa sala que já conheço há anos, nem a cerveja irá me animar se eu ficar aqui. Estou com uma saudade angustiante das folias, dos sorrisos exagerados e afobados. Das pessoas dançando em fileiras de loucuras. No carnaval eu não aceito a solidão, a tristeza. Desde a primeira vez que viajei com meus pais para a casa de um conhecido e lá fiquei, participando de toda a bagunça, nunca mais esqueci a felicidade que senti. E quando não tenho para onde ir nesse período, fico muito triste, desamparado, como uma criança sem seu doce ou brinquedo. Até choro. Por tanto dessa vez tomarei alguma atitude, ficar sentado no sofá, isso eu não vou permitir. E vejo cenas não vividas, não como uma ansiedade, mas como se pertencesse a uma vida passada, onde meu coração libertino escuta as melodias profundas em pulos de felicidade e satisfação. Embriagado pelo momento, pelo copo levado até a boca numa rapidez de dançarino profissional, formado nas ruas e nas festas. Há muito que viver, eu sinto falta de viver certos momentos. Isso é a mais pura ansiedade. Ou talvez seja carência.