segunda-feira, 18 de julho de 2011

Trambique

        Está tendo uma confusão aqui pertinho da minha casa. Da sala era possível escutar muito nítida a voz de uma mulher furiosa e certa de si. Ela alega com raiva contida não ter comprado nada ao galego. Fala em alto e bom som que espera pela chegada dele, ansiosa para um esclarecimento. Diz:
       -Pois o seu Luiz está ficando é doido. Eu quero saber quando foi que eu comprei alguma coisa dele pra ele ficar mandando você vir aqui me cobrar. Ah, mas ele que me há de pagar. Cadê, cadê o seu Luiz que eu quero falar é com ele.  O homem magro e calado que observa numa seriedade irônica responde rápido.
       -Pois foi o seu Luiz que mandou vir aqui cobrar à senhora.
A mulher arregala os olhos, treme de raiva, e gritando com mais esforço ainda, retrucando:
        -Pois o senhor diga para o seu Luiz que ele venha falar diretamente comigo, pois a única vez que eu comprei alguma coisa dele foi uma rede e já está paga há muitos anos. Ah, mas o seu Luiz está ficando é velho, ou doido.
    Essa pequena confusão que gerou grande alvoroço na rua, divertiu bastante os telespectadores de ouvidos afiados. E formaram-se os rumores. E desabrocharam-se as risadas mais diabólicas. A fofoqueira mais experiente orgulha-se, e gargalha mais alto que todos.  E já é de noite. A mulher fumando e rindo, antiga e respeitada. Alguns sons de motos em alta velocidade e alguns passos apenas. De repente o céu aparece com algumas estrelas. E a mulher esbraveja:
       -Deixa só ele chegar, deixa só ele chegar...
Um homem muito envolvido no boato rebate com uma resposta intrusa e fulminante:
       -Deixa de ser trambiqueira mulher, paga esse homem.
O homem riu-se e o resto da rua o acompanhou, num riso coletivo.